Estamos sujeitos, de um momento para o outro, a ter uma crise semelhante à de 1929, sem ninguém saber porquê! Porque as Bolsas, na realidade, são um jogo fundamentalmente especulativo, que têm relativamente pouco a ver com a chamada economia real, e essa é a que se manifesta no nível e na qualidade de vida das pessoas.

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Uma posição de esquerda é, e será sempre, a posição daqueles que querem transformar o mundo, isto para utilizar grandes palavras. E, no essencial, para reduzir as desigualdades e aumentar o leque de escolha das pessoas, logo, a liberdade. Isso é que é fundamental e isso passa pela política. Para a esquerda, o político é a instância em que se tem que resolver os problemas de uma sociedade. E não o económico, como hoje. Pior que o económico, o financeiro.  

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Não é por acaso que arautos importantes do sistema actual começam a falar do papel social das empresas e dos problemas da exclusão social. É porque eles intuem que “isto”, a continuar como está, pode vir efectivamente a dar uma crise social brutal e a nível mundial. Pode até não ser por via da tal “bolha” especulativa, pode ser porque massas completamente marginalizadas, recorrendo a um qualquer processo (e a Net já está a servir para isso!), decidam começar a resistir em força, decidam propor soluções alternativas... o que pode, efectivamente, vir a conduzir a uma certa convulsão que altere o estado das coisas. E sabendo que “eles” temem que alguma coisa possa acontecer, isso já dá alguma credibilidade aos que continuam a querer transformar esse mesmo mundo.

Público, 2001

 

Pela minha parte continua a repugnar-me – e acho que já não vou mudar – essa ideia de fazer dinheiro a partir de dinheiro, de “gerar dinheiro” só porque já se tem dinheiro, sem sequer fazer intervir pelo meio qualquer actividade “socialmente útil”. A Bolsa poderá ser – e em Portugal, duvido – um “termómetro da saúde da economia”, mas não o é de certeza da “saúde da sociedade”

Cadernos, 20.2.87

 

Onde quero chegar com tudo isto? Onde acabo por chegar sempre: “Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”. É de hoje que tem de se partir. Que a Direita se embrulhe nos seus complexos, mitos, fragilidades – é o problema deles, que até nos pode ajudar. Pela nossa parte, trata-se de nos olharmos, e o que nos rodeia, com a “candura” e limpidez de quem olha tudo pela primeira vez (embora tudo o que está para trás dê força e confiança a esse olhar). Mais precisamente, trata-se de olhar como se fosse a primeira vez, não o sendo: sem partis pris, sem servidões intelectuais, sem “domínios intocáveis”. Como poderá um intelectual adoptar como critério a emancipação dos outros, se a sua própria inteligência não está emancipada? Sei que não é fácil, pois não é com um estalar de dedos que se apagam complexos ou culpabilizações: mas um intelectual tem obrigação de os apagar com as suas únicas armas – a  razão, a imaginação, a ousadia, a liberdade/responsabilidade sem outros limites que não sejam os do rigor consigo próprio.

E se isto fosse possível?

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Mas em contrapartida, a Esquerda será um “campo de tensão”, a tensão do inventor antes da invenção, do descobridor antes da descoberta, do poeta antes do poema – enfim do criador antes da criação. É esse “antes” que necessariamente gera a tensão: a Esquerda sabe que nunca chegará á sociedade perfeita, um pouco como Zenão no paradoxo da tartaruga. É por isso que a Esquerda não só existe, como existirá sempre.

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... é que a Esquerda , sendo projecto, só como projecto pode ser pensada. O que não significa que não exista, como alguns pretendem, com isso não fazendo mais do que revelar que têm da Esquerda uma ideia de Direita. A Direita faz projectos (quando é capaz...), a Esquerda é ela-própria projecto, interrogação, descoberta, desejo – e exigência moral tanto maior quanto, para ela, a moral só poderá ser, também, moral “contingente” ou de “boa-fé”.

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A Esquerda coloca-se, a si própria, todas as alternativas, e não apenas as que lhe são dadas.


Os falsos avestruzes, 1983

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- Acho que estás demasiado influenciado pelos teus intelectuais, que hoje diariamente identificam utopia com totalitarismo, sem se darem conta que o mercado, apoiado pelas modernas tecnologias, constitui o dispositivo mais totalizante que já existiu. Que nunca se esteve tão próximo do totalitarismo tecnológico, económico e cultural. Resistirão a isso os frágeis mecanismos que ainda sustentam as liberdades políticas? Não serão elas, já hoje, em parte, uma caridosa ilusão?

O dito e o feito, 1989

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O par de opostos certo é, sem dúvida, solidariedade vs competitividade. São os homens naturalmente competitivos (“o homem lobo do homem” – Hobbes) ou naturalmente solidários (“o bom selvagem” do Rousseau)? Ninguém pode provar: o que se pode é escolher.

Cadernos,17.5.87

 

Estou a ler as memórias do [Marquês de] Fronteira [...] A esta distância, hoje, vemos aqueles colaboracionistas [...] como os portadores da democracia, do pensamento liberal, de coveiros “necessários” e “progressistas” do Ancien Régime. Isto é, a História vem absolver os colaboracionistas com os invasores que traziam as “ideias novas”, as que vinham “no sentido da História”. Mas, no momento em que os acontecimentos se sucedem, como julgar? [...] Ou seja, no quente das situações, toma-se partido, é inevitável: só a História virá a decidir qual o lado que “apostou certo”. Uma vez mais, por muito que custe, o que está em causa, em cada momento, é a opção ideológica – dela decorre a “escolha”, e não a posição “de princípio”, que seria, neste caso, “nunca se deve colaborar com o invasor”... Será preciso dizer uma vez mais que não há “moral universal”?

Cadernos,14.1.87

 

Aos cidadãos, como sempre, não se pedirá que façam nada, a não ser votar quando o árbitro apitar e candidatarem-se aos subsídios do costume. Para cada vez mais, o subsídio “do costume” será o desemprego. Pode é acontecer que, tal como em 1995 acabou com a França na rua, o ano que entra, ou outro depois, acabe com a “Europa” na rua.

Combate, 1996

 

Podemos  gostar do real, ou não, e querer transformá-o. Mas é dele que temos de partir. E antes de mais há que desmontar o mundo de ficção criado pela língua-de-pau que os nossos políticos, feitos papagaios de Bruxelas e por interesse próprio, diariamente nos querem impingir, com a colaboração prestável da comunicação social

Combate, 1997

 

Por vezes cruzamo-nos com rostos que nos reconciliam com o mundo. Na maior parte dos casos são rostos de crianças, ou de adolescentes. Algumas vezes, de velhos. Quase nunca de adultos, esses crispados, tensos, ruminando frustrações, pressas, responsabilidades, preocupações – rostos sem desejo, sem alegria. Incomunicáveis.

Cadernos, 22.2.85